Uma das medidas da prefeitura de Dubrovnik foi

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Uma das medidas da prefeitura de Dubrovnik foi limitar a quantidade de pessoas simultaneamente dentro das muralhas da cidade

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Limitar o número de visitantes, recusar o dinheiro dos cruzeiros e até proibir as malas com rodinhas.

O prefeito de Dubrovnik, na Croácia, Mato Franković, vem tomando medidas radicais para que sua cidade, uma das mais visitadas pelos turistas na Europa, volte a ser um local onde seus moradores possam viver e que os visitantes possam apreciar.

O jornal britânico The Telegraph não mediu palavras ao avaliar a cidade, em 2018: “O turismo matou Dubrovnik”, escreveu o jornalista Greg Dickinson.

Seu veredicto acompanhou o alerta feito pela Unesco, em 2016, de que as muralhas de pedra medievais da cidade poderiam deixar de ser Patrimônio Mundial, se a cidade não gerenciasse melhor a atividade turística.

Conhecida como a “Pérola do Adriático”, a cidade velha de Dubrovnik é um perfeito cartão-postal. Há muito tempo, ela é um ponto de parada popular para os navios de cruzeiro, pacotes de viagens e linhas aéreas econômicas, sem falar nos cineastas.

Para as dezenas de milhões de pessoas que acompanharam Game of Thrones (2011-2019), Dubrovnik foi a principal cidade da série (Porto Real, ou King’s Landing em inglês) e o cenário da famosa “caminhada da vergonha” da rainha Cersei Lannister. Mas toda essa popularidade tem um preço.

Com o número de visitantes superando os moradores locais em razão de 27 para 1, Dubrovnik ficou conhecida como uma das cidades mais superlotadas de turistas da Europa.

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Nos últimos anos, o excesso de turistas levou muitas cidades importantes da Europa a tomar medidas para reverter a situação.

Veneza, na Itália, agora cobra entrada dos visitantes de um dia. Barcelona, na Espanha, limitou os leitos nos hotéis e Amsterdã, na Holanda, está restringindo os Airbnbs.

Mas nenhum lugar foi tão longe quanto Dubrovnik, que estabeleceu um rígido limite máximo de pessoas que podem visitar suas muralhas de cada vez.

“O turismo em massa não traz benefícios para todos em Dubrovnik”, afirma o prefeito da cidade, Mato Franković. “No início, você sente que está ganhando, mas, no final, na verdade, você está perdendo em qualidade de vida e de serviços.”

“É simplesmente um jogo perdido. Por isso, revertemos tudo.”

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Dubrovnik limitou a quantidade diária de navios de cruzeiro e aumentou seu período mínimo de atracação, para que os passageiros passem mais tempo na cidade

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Sistema de controle

Desde que tomou posse, em 2017, Franković criou iniciativas para controlar o fluxo de turistas na cidade.

Além de limitar o número de navios de cruzeiro em dois por dia (o pico era de cerca de oito), Franković obrigou os navios a atracar por pelo menos oito horas. Esta medida possibilita que os passageiros tenham tempo de explorar a cidade à vontade e gastar mais dinheiro, em vez de visitar às pressas os pontos turísticos.

A cidade também administra o fluxo de visitantes, usando as câmeras de circuito fechado instaladas durante a pandemia.

Outra ferramenta fundamental é o Passaporte Dubrovnik. Ele oferece aos visitantes uma forma simples de visitar todos os museus e as muralhas da cidade e fornece à prefeitura os dados necessários para a tomada de decisões.

De forma mais radical, o plano de gerenciamento criado em conjunto com a Universidade de Dubrovnik limitou o número máximo de pessoas dentro das muralhas em 11,2 mil.

Em 2019, 9 mil a 9,5 mil visitantes chegavam diariamente dos navios de cruzeiro na temporada de férias, sem contar os turistas recebidos por via aérea ou terrestre.

O sistema está funcionando. Franković indica que, este ano, os números não excederam 10,5 mil visitantes, em grande parte, graças à redução dos navios de cruzeiro.

Em 2026, os turistas precisarão reservar, através do Passaporte, períodos de tempo para visitar as muralhas e os museus da cidade. Um sistema de semáforos mostra quais são os horários mais calmos e mais concorridos.

Dubrovnik se transformou em uma das cidades que mais recebem turistas na Europa

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Outras mudanças em vista, em relação ao turismo, incluem o fim do indesejável ruído das malas com rodinhas nas ruas com pedregulhos, com um serviço de entrega de bagagem de baixo custo.

Além disso, novas regulamentações e impostos sobre os aluguéis de curto período farão com que o aluguel de apartamentos seja menos atraente para os moradores locais. Com isso, os preços dos hotéis podem aumentar.

Mas as medidas menos convencionais talvez sejam a compra, pela prefeitura, de edifícios na cidade velha para alugar às famílias jovens e o estabelecimento de uma escola em um antigo palácio.

Ao lado da nova legislação de aluguel de casas, o objetivo é relocar os moradores e trazer a vida de volta a uma cidade esvaziada pelo turismo, revertendo o que já foi descrito como a “Disneyficação” de Dubrovnik.

“Isso é muito importante a longo prazo”, explica Franković.

“Estrategicamente, passo a passo, iremos ganhar cada vez mais casas dentro das muralhas da cidade. Esta é a principal maneira de trazer as pessoas de volta para a cidade velha.”

Mas nem todos são tão favoráveis às mudanças.

O zelador escolar Marc van Bloemen aluga seus apartamentos para os turistas. Ele acredita que as mudanças não são suficientes.

Van Bloemen compareceu a uma manifestação contra o turismo no início do ano, protestando para que as opiniões dos moradores fossem ouvidas.

Para ele, “a cidade velha é uma máquina de fazer dinheiro. Ela está transformando esta cidade em um parque temático e as pessoas tentam viver aqui como se estivessem obstruindo o caminho.”

Van Bloemen acredita que a ideia de períodos de tempo pretende colocar mais pessoas na cidade, não gerenciar o fluxo. E que os problemas de longo prazo não estão sendo analisados.

“Nós nos mudamos para cá em 1972”, ele conta, “mas não faríamos isso agora.”

Marko Milos é o proprietário da companhia de turismo Dubrovnik Local Guides e mora na cidade velha. Ele vê a questão de forma diferente.

“Honestamente, na minha opinião, está muito melhor do que costumava ser”, afirma ele. “Às vezes, é caótico e superconcorrido, mas, em comparação com 2017 e 2018, como guias locais, achamos que melhorou.”

Os turistas podem visitar mais facilmente as muralhas e os museus da cidade com o Passaporte Dubrovnik

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A compra de residências com dinheiro público e seu aluguel para os moradores locais é uma estratégia cara, mas, até agora, parece estar funcionando.

“Moro dentro das muralhas da cidade com 1 mil pessoas”, prossegue Milos. “Cresci aqui e fui criado aqui.”

“Acho que eles estão fazendo o melhor que podem! A vida local está retornando com a escola que foi aberta no ano passado.”

“Para mim, como morador local que vive do turismo, quero uma cidade onde todos possamos viver bem e o turismo possa beneficiar a todos.”

Andrea Godfrey é gerente de marketing da agência de turismo Regent Holidays, com sede em Bristol, no Reino Unido, operadora de tours na região desde os anos 1970. Ela recebe as mudanças com cautela.

“Ainda não está claro como a entrada programada irá funcionar”, explica ela. “Talvez ela limite a flexibilidade e talvez aumente o tempo de espera, é difícil saber.”

“Mas a nossa equipe de vendas acredita que a entrada programada nas muralhas da cidade, de forma geral, é uma boa ideia. O turismo controlado e sustentável, certamente, é um bom argumento de vendas.”

“Mas, considerando o turismo excessivo na região em geral, estamos atualmente enviando mais pessoas para pontos mais tranquilos na Ístria e nas ilhas da Croácia, em vez de Dubrovnik”, conta Godfrey.

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Prejuízos financeiros

A enorme popularidade de Dubrovnik — e sua presença na quinta e última temporada da série de TV Outer Banks, a ser filmada na cidade — é um indício de que os visitantes não devem esperar ver ruas vazias.

Mas as medidas do prefeito Franković marcam uma rara reviravolta no turismo de massa. A cidade rejeita os dólares do turismo pelo bem dos seus moradores.

Em uma época em que a maioria dos destinos busca o crescimento a qualquer custo, Dubrovnik aposta na direção contrária: que a qualidade irá definir o seu futuro, não a quantidade.

Ainda assim, as intervenções no setor turístico levam anos para restabelecer o equilíbrio desejado pelos moradores locais.

Dubrovnik pode ter definido suas metas globais, mas a cidade continua superlotada. E Franković reconhece que sua aposta exige paciência.

“Vejo a cidade de Dubrovnik daqui a três anos como uma cidade habitável, com cidadãos felizes e bons números no turismo”, explica o prefeito.

“Todos serão felizes, mas será preciso tomar decisões difíceis. Estou tentando convencer nossos cidadãos de que estou fazendo isso para o bem de todos.”

“No princípio, certamente estávamos perdendo renda. Agora, eles podem ver que estão tendo muito mais lucros do que costumavam ter, pois seus restaurantes estão cheios, as cafeterias estão cheias e as pessoas estão se divertindo.”

“Por isso, mais nem sempre é igual a mais. Às vezes, mais é igual a menos — e menos é mais”, conclui Mato Franković.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.

Fonte: g1.globo.com

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Fonte: g1.globo.com

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