‘O 8 de janeiro de 2023 não foi um acontecimento

‘O 8 de janeiro de 2023 não foi um acontecimento banal’, diz Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia iniciou seu voto nesta quinta (11), no julgamento de Bolsonaro e aliados, citando o poema “Que país é este?”, do poeta mineiro Affonso Romano de Sant’Anna.
“Outro dia, um amigo querido, Afonso Borges, me levou a reler e pensar sobre uma grande obra (…) e ali, o autor poetava em sofrimento”, relembrou a ministra, antes de ler o trecho do poema:
“Uma coisa é um país, outra um fingimento. Uma coisa é um país, outra um monumento. Uma coisa é um país, outra o aviltamento (…) Este é o país do descontínuo, onde nada congemina”.
A ministra passou, então, a falar sobre o papel do povo na produção da história de um país. Em seguida, relembrou o histórico democrático do Brasil, destacando as eleições realizadas ao longo do período.
A ministra também citou o autor Victor Hugo, dizendo que “o mal feito para o bem continua sendo mal”. Além disso, mencionou que Hugo foi um “ferrenho oposicionista ao golpe de Estado de Napoleão III” e escreveu no livro “História de um Crime” uma passagem de um diálogo entre um dos interlocutores, que propõe um golpe de Estado “para o bem”.
O voto da ministra é o quarto no julgamento que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados por participação na tentativa de golpe de Estado em 2022.
Quem é o autor do poema
Nascido em 1937 em Belo Horizonte, Minas Gerais, Affonso Romano de Sant’Anna foi um escritor e poeta conhecido pelo papel fundamental na popularização da leitura no Brasil. Ele morreu no dia 4 de março de 2025, e deixou mais de 60 obras em seis décadas de intensa produção.
Com uma produção literária extensa e influente, focou no engajamento social ao longo de sua carreira, tornando-se um dos nomes mais marcantes da literatura nacional. A obra “Que país é este?”, citada por Cármem Lúcia, virou um símbolo de mobilização popular.
Leia o primeiro fragmento do poema na íntegra:
Uma coisa é um país,
outra um ajuntamento.
Uma coisa é um país,
outra um regimento.
Uma coisa é um país,
outra o confinamento.
Mas já soube datas, guerras, estátuas
usei caderno “Avante”
— e desfilei de tênis para o ditador.
Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso”
e éramos maiores em tudo
— discursando rios e pretensão.
Uma coisa é um país,
outra um fingimento.
Uma coisa é um país,
outra um monumento.
Uma coisa é um país,
outra o aviltamento.
Deveria derribar aflitos mapas sobre a praça
em busca da especiosa raiz? ou deveria
parar de ler jornais
e ler anais
como anal
animal
hiena patética
na merda nacional?
Ou deveria, enfim, jejuar na Torre do Tombo
comendo o que as traças descomem
procurando
o Quinto Império, o primeiro portulano, a viciosa visão do paraíso
que nos impeliu a errar aqui?
Subo, de joelhos, as escadas dos arquivos
nacionais, como qualquer santo barroco
a rebuscar
no mofo dos papiros, no bolor
das pias batismais, no bodum das vestes reais
a ver o que se salvou com o tempo
e ao mesmo tempo
– nos trai
Fonte: g1.globo.com
Fonte: g1.globo.com