França adia assinatura do acordo ue

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O que está em jogo para o agro brasileiro no acordo UE-Mercosul

A Comissão Europeia e o Mercosul esperavam confirmar nesta semana a assinatura do acordo comercial entre a União Europeia e o bloco sul-americano – mas a França, mais uma vez, resiste à adoção do tratado, negociado há mais de 25 anos.

No país, o pacto se transformou no bode expiatório de um modelo de agricultura em sucessivas crises.

A mais recente delas é sanitária: uma dermatose nodular contagiosa bovina ameaça o rebanho francês e obriga o governo a promover abates em massa de animais, para conter a epidemia.

Ao mesmo tempo, o país combate a gripe aviária, que ameaça a região de Landes, principal produtora de patos para o renomado foie gras.

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As crises sanitárias correm em paralelo a dificuldades mais profundas em setores emblemáticos da produção agrícola francesa, do trigo aos vinhedos, vítimas da concorrência internacional, das mudanças climáticas e das reviravoltas no comércio mundial.

Em 2025, pela primeira vez em 50 anos, a agricultura da França poderá registrar déficit comercial, importando mais do que exporta.

A inversão se explica pelo aumento dos preços do cacau e do café no mercado internacional, de um lado, e, do outro, pela diminuição das exportações de vinhos e destilados após a guerra tarifária de Donald Trump, somada à safra ruim e à queda dos preços dos cereais.

“Foi mais conjuntural, mas se soma a recuos em relação a outros países europeus, como no setor de frutas e legumes. Temos um problema de conjuntura e outro de competitividade, em alguns setores”, explica Jean-Christophe Bureau, professor de Economia da AgroParisTech e especialista em comércio agrícola internacional.

“O nosso déficit nos últimos anos se acentuou, principalmente, com os países da União Europeia”, salienta.

Protesto de agricultores franceses contra o acordo de comércio livre entre a União Europeia e o Mercosul, em Paris, 14 de outubro de 2025.

AP foto/Michel Euler

Corte nos subsídios à vista

Os riscos de cortes na Política Agrícola Comum (PAC) do bloco europeu aumentam a preocupação: o próximo orçamento (2028-2034) poderá ser 20% menor, com impacto maior na França, principal beneficiária do programa de subsídios.

Os agricultores franceses recebem cerca de € 9 bilhões de ajuda a cada ano, o que representa dois terços da sua renda.

Os números evidenciam o déficit de competitividade agrícola francesa, que valoriza a produção local, o savoir-faire familiar e tradicional, em detrimento da agricultura intensiva praticada pelas maiores potências mundiais.

O país é o líder europeu de produção agrícola e agroalimentar, mas passou de segundo para sexto maior exportador do planeta, com 4,3% do mercado em 2024.

Desde 2015, a França importa mais do que exporta aos vizinhos da União Europeia. A cada duas frutas ou legumes consumidos no país, um vem de fora.

“Em alguns casos, temos de fato diferença de custo da mão de obra, que é menor na Espanha, graças à imigração e aos salários mais baixos, ou na Alemanha, onde os encargos trabalhistas são bem menores”, aponta Bureau.

“Mas também podemos citar as nossas deficiências em pesquisa e desenvolvimento e até de formação.”

Normas ambientais europeias

O êxodo rural é outra preocupação. A renda média dos agricultores estagnou nos últimos 20 anos, e o aumento das dificuldades do setor afasta a nova geração do campo, na comparação com outras potências agrícolas do bloco, como a Itália ou a Alemanha.

Alguns sindicatos agrícolas também criticam o que seria um excesso de regulamentações sanitárias e ambientais no bloco.

“A agricultura francesa é caracterizada pela sustentabilidade, na comparação com as grandes potências agrícolas mundiais. Ao mesmo tempo, começa a enfrentar cada vez mais dificuldades ambientais, exacerbadas pelas mudanças climáticas. Temos impasses técnicos para lidar com pragas sanitárias em animais e vegetais”, observou Aurélie Cathalo, diretora de Agricultura do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais (IDDRI), à RFI.

“Temos problemas com a fertilidade dos solos, e isso explica a estagnação ou até diminuição da renda dos agricultores. Precisamos colocar a agronomia a nosso favor, fazer o esforço de nos adaptarmos e podermos continuar a produzir, apesar do andamento da situação.”

Agricultores franceses em protesto contra acordo do Mercosul na cidade de Limoges, na França.

Reuters

Acordo visto como uma ameaça

Neste contexto, para a maioria dos agricultores da França, o acordo com o Mercosul representa um perigo. Eles denunciam a concorrência desleal devido a padrões de produção menos rigorosos na América Latina, principalmente do ponto de vista ambiental.

A França obteve da Comissão Europeia garantias de salvaguardas para os setores mais ameaçados – mas as barreiras são insuficientes aos olhos dos produtores.

“Segundo os nossos cálculos, o acordo com o Mercosul não tem impactos grandes, afinal foram inseridos limites de importação. Entretanto, é um acordo que se soma a outros que já temos, o que faz com que, para alguns setores, como a carne bovina, as aves e o mel, ele se torne desfavorável”, pondera o professor da AgroParisTech.

“Há uma insatisfação generalizada. É evidente que, em um ano de renda muito baixa devido a safras fracas, em que os problemas como inundações e incêndios se sucederam, o acordo com o Mercosul vira a gota d’água que faltava.”

Nesta terça-feira (16), o Parlamento Europeu aprovou uma série de medidas de proteção e criou um mecanismo para supervisionar o impacto do acordo em produtos sensíveis, como carne bovina, aves e açúcar.

Os trechos abrem as portas para a aplicação de tarifas em caso de desestabilização do mercado no bloco.

Os eurodeputados desejam que a Comissão Europeia intervenha se o preço de um produto latino-americano for pelo menos 5% inferior ao da mesma mercadoria na UE e se o volume de importações isentas de tarifas aumentar mais de 5%.

Mesmo assim, é provável que a França não aprove o texto. Paris solicitou à União Europeia (UE) o adiamento da assinatura do pacto comercial, que Bruxelas gostaria de concretizar no próximo sábado (20), no Brasil.

Resta saber se a Itália, que mostrou sinais contraditórios nos últimos meses, se colocará ao lado da Comissão ou ao lado dos franceses – neste caso, uma maioria qualificada de Estados-membros seria formada para bloquear o pacto, com o apoio da Polônia e da Hungria, também contrárias ao projeto.

Fonte: g1.globo.com

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Fonte: g1.globo.com

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