Acordo UE-Mercosul: o que está em jogo para o agro brasileiro
Depois de décadas de impasse, o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul chega a uma semana decisiva. Nesta terça-feira (16), o Parlamento europeu deve avaliar as medidas de proteção para o agro local.
A aprovação das chamadas salvaguardas pode abrir caminho para que o acordo seja votado no Conselho da UE, que se reúne nesta quinta-feira (18) e sexta-feira (19), e para a assinatura durante a Cúpula do Mercosul, neste sábado (20), em Foz do Iguaçu.
Saiba mais: O que está em jogo para o agro brasileiro no acordo UE-Mercosul?
As salvaguardas agrícolas são um aceno da UE para países que têm feito forte oposição ao tratado, como a França, maior produtora de carne bovina do bloco.
Essas proteções preveem que a UE pode paralisar o acordo temporariamente se for constatado prejuízo para algum setor do agro local por causa do aumento das importações.
A “blindagem”, se aprovada, preocupa o agro brasileiro, que aguarda o acordo como uma possibilidade de ampliar exportações. A UE já é o segundo maior cliente dos alimentos produzidos aqui.
“Com diálogo, com trabalho, a gente topa até discutir a salvaguarda”, disse o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, na última segunda-feira (15). “Não adianta a gente ficar procurando o acordo perfeito (…) Nós temos que implementar gradativamente e ir aperfeiçoando.”
Itália pode ter papel decisivo
O acordo não contempla apenas o agro, mas este é o tema que mais gera disputas.
Desde 2019, quando uma versão mais avançada do texto foi apresentada, a França e outros países do grupo europeu se posicionaram contra ou fizeram restrições parciais aos seus termos.
Houve diversos protestos nos últimos anos. Em um dos mais emblemáticos, em 2024, agricultores bloquearam estradas, jogaram estrume em frente a prédios de prefeituras francesas e chegaram esvaziar tanques de vinho que vinham da Espanha (reveja abaixo).
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Os protestos acontecem também em outros países. Desde outubro deste ano, ativistas participam do movimento “StopEUMercosur” (“Pare UE-Mercosul, em tradução do inglês) na Áustria, Polônia, Alemanha, França, Espanha e Holanda.
Em meio ao descontentamento dos produtores, executivos da Danone e do Carrefour chegaram a expor posicionamentos polêmicos sobre alimentos brasileiros, provocando reações dos integrantes do Mercosul.
Mesmo nesta reta final ainda não está claro se o acordo poderá passar ou se os opositores terão apoio suficiente para barrá-lo.
Seriam necessários pelo menos quatro Estados-membros, representando 35% da população da UE, para impedir a assinatura.
O presidente da França, Emmanuel Macron, e a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, concordaram na segunda-feira com a necessidade de adiar a votação sobre o acordo, segundo a agência Reuters.
A Itália, no entanto, não revelou qual seria sua posição se houver votação. E poderá decidir para onde a balança vai pesar.
Isso porque, ao lado da França, Polônia e Hungria estão na lista das nações oficialmente relutantes em aceitar o tratado. Já Áustria e Irlanda demonstram que poderiam se opor. A Bélgica, por sua vez, já disse que irá se abster da votação.
Do lado dos países que apoiam o acordo, estão nomes de peso como Alemanha e Espanha.
Ainda que o acordo seja aprovado pela maioria no Conselho e o texto seja assinado na Cúpula do Mercosul, será necessário o aval final do Parlamento europeu para o livre comércio começar a valer. E isso pode ficar para 2026.
O que diz quem é contra
Agricultores e pecuaristas europeus temem perder espaço com o livre comércio dos alimentos do Mercosul, principalmente dos brasileiros.
Isso porque a mercadoria do Brasil passaria a ser mais competitiva em preços, devido à alta produtividade do país e por ter um menor custo de produção na comparação com o europeu.
Os opositores também usam a questão ambiental para criticar o acordo. Eles dizem que a produção de alimentos no Mercosul não segue os mesmos padrões ambientais, sociais e sanitários exigidos na Europa.
E que o acordo comercial aceleraria o desmatamento na Amazônia e abriria caminho para a entrada de agrotóxicos atualmente proibidos na Europa.
Esses argumentos têm sido rebatidos pelo Brasil. O país é um dos poucos com um Código Florestal que exige que as lavouras tenham uma área extensa de reserva. Mesmo assim, altos índices de desmatamento ilegal continuam sendo um desafio.
Quem é a favor do acordo?
Ao contrário da França, a Alemanha e a Espanha são grandes defensoras do acordo. Ambos os países desejam apoiar os exportadores europeus em um momento em que a UE enfrenta dificuldades econômicas.
Os dois países consideram indispensável diversificar as alianças comerciais desde a imposição do tarifaço pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Atualmente, produtos europeus pagam tarifa de 15% para entrar no mercado americano.
A Holanda, Portugal e a Suécia também são a favor.
Para os defensores, o Mercosul representa um mercado em expansão para carros, máquinas e produtos químicos europeus, além de ser uma fonte confiável de minerais essenciais para a transição energética, como o lítio usado em baterias, atualmente fornecido sobretudo pela China.
Eles também destacam os ganhos para o setor agrícola, já que o documento garantiria maior acesso e tarifas reduzidas para produtos como queijos, presunto e vinhos europeus.
Para os países favoráveis, o acordo também ajuda a reduzir a dependência da Europa em relação à China, especialmente no fornecimento de minerais estratégicos.
Mudanças que afetaram o acordo
Desde a proposta de 2019, que foi considerada equilibrada pelo agro brasileiro, houve algumas mudanças que criaram vantagens e desvantagens para os dois lados, disse Sueme Mori, diretora de relações internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), em entrevista ao g1 em 2024.
Os europeus fizeram novas exigências, como uma carta que solicitava maior comprometimento ambiental. E o bloco aprovou outras regras de comercialização, como a lei de antidesmatamento, que dificulta a venda de produtos brasileiros para a Europa, mas cuja implementação tem sido adiada.
Na visão de Mori, o acordo foi se tornando desequilibrado, para beneficiar mais a Europa.
Ela avaliou que a Europa tenta impor regras que funcionam por lá, mas não se aplicam ao Brasil por causa das diferenças regionais.
Por exemplo: lá o clima é temperado e neva, portanto, técnicas para preservação do solo valorizadas no Brasil, como o plantio direto, não são reconhecidas.
Mori também destacou que se trata de uma agricultura mais subsidiada, ou seja, com mais programas com pagamentos dos governos europeus para os agricultores.
No Brasil, também existem subsídios do governo aos agricultores, como o Plano Safra, que oferece recursos para financiamento.
Há ainda as salvaguardas que foram decididas depois da última versão do acordo, de 2024.
Além de poder paralisar os benefícios tarifários, a Comissão Europeia quer uma obrigação de reciprocidade, exigindo que os países do Mercosul apliquem os padrões de produção da UE.
Mori disse, na última terça-feira (9), que as medidas protetivas podem ter um efeito mais restrito e danoso às importações do Mercosul, impedindo que os produtos brasileiros acessem o mercado europeu.
“Essa negociação que eles estão fazendo é absolutamente interna, que não respeita as normas da OMC, que não estão sendo negociadas dentro do âmbito do acordo. […] O que vai ser assinado no dia 20, se for assinado, é o texto que foi negociado”, disse a diretora de relações internacionais da CNA.
As acusações feitas contra o Brasil fazem sentido?
➡️ Leis ambientais do Brasil X leis da UE
Diferente do que acusam os europeus, o Brasil tem exigências legais robustas no setor ambiental, como a proteção obrigatória de vegetação nativa em propriedades, pesquisador Leonardo Munhoz do Centro de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A União Europeia, por sua vez, flexibilizou parte das regras ambientais de sua Política Agrícola Comum entre 2024 e 2025, reduzindo obrigações que antes eram apresentadas como referência internacional, diz o pesquisador.
Além disso, a lei antidesmatamento foi adiada e passou por revisões técnicas. Para Munhoz, isso mostra que o bloco enfrenta dificuldades técnicas para a implementação.
Sem a lei finalizada, aumenta o espaço para que a União Europeia cobre requisitos extras de sustentabilidade, rastreabilidade ou bem-estar animal para manter vantagens tarifárias previstas na cláusula de reciprocidade.
“O Brasil preserva um arcabouço ambiental mais rígido, enquanto a União Europeia passa a utilizar instrumentos comerciais para impor novos padrões mesmo em um ambiente de flexibilização regulatória interna”, afirma.
➡️Sobre o preço dos produtos brasileiros se tornar mais competitivo
Os produtos brasileiros são competitivos no mercado europeu, por causa da produtividade, escala e custos menores que os da União Europeia, aponta Munhoz.
No entanto, se as novas salvaguardas forem mantidas, o acesso do Brasil ao mercado europeu ficará sujeito a mecanismos de reação rápida.
Esses instrumentos podem limitar aumentos repentinos nas exportações brasileiras em setores considerados sensíveis pelos europeus.
Veja quanto dos principais produtos vendidos pelo agro brasileiro vai para a União Europeia
Arte g1
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Fonte: g1.globo.com
Imagem: s2-g1.glbimg.com
Fonte: g1.globo.com

