Um aplicativo de inteligência artificial chamado 2Wai, que cria avatares digitais de pessoas já falecidas para interações ao vivo, viralizou recentemente nos Estados Unidos, acendendo debate sobre o uso da tecnologia no processo de luto. A ferramenta permite recriar digitalmente um familiar morto, desde que haja um vídeo gravado anteriormente, e está disponível atualmente apenas para iPhone nos EUA.
O funcionamento do 2Wai requer a gravação de um vídeo da pessoa para construir seu avatar digital, processo que leva cerca de três minutos. A partir desses dados, a inteligência artificial amplia o repertório do “gêmeo digital”, que pode reconhecer o usuário, falar como a pessoa real e lembrar informações compartilhadas. A empresa afirma suporte a mais de 40 idiomas, porém não confirma funcionamento em português do Brasil.
Um vídeo publicado pelo cofundador da startup, Calum Worthy, que também é ator, mostrou uma mulher grávida conversando com a própria mãe, já falecida, por meio do avatar digital. A postagem no X acumula mais de 40 milhões de visualizações e gerou reações variadas, em sua maioria críticas, destacando preocupações sobre o afastamento da realidade e o impacto no processo natural do luto.
Especialistas alertam sobre os riscos associados à tecnologia. A psicóloga e psicanalista Mariana Malvezzi destaca que, apesar de oferecer companhia, a IA pode criar uma “ilusão de realidade”, gerar dependência afetiva e ampliar a angústia durante o luto. Segundo Malvezzi, o uso dessas ferramentas pode afastar o enlutado dos rituais tradicionais do luto e dificultar a aceitação da morte, processo essencial para a ressignificação da perda.
A técnica de replicar digitalmente pessoas falecidas é conhecida como grief tech, ou “tecnologia do luto”. Plataformas desse tipo criam “clones digitais” que permitem conversar com versões virtuais de entes queridos que já morreram. Uma pesquisa recente da ESPM indica que um em cada quatro brasileiros que perderam familiares nos últimos dois anos consideraria usar a inteligência artificial para esses fins.
O uso da inteligência artificial para “reviver” pessoas falecidas não é uma novidade e vem ganhando popularidade em diferentes contextos. Em maio, um caso nos Estados Unidos chamou atenção quando uma versão digital de uma vítima de homicídio participou de um julgamento, expressando palavras ao atirador por meio da IA. Outro exemplo envolve o jornalista Jim Acosta, que “entrevistou” um avatar digital de Joaquin Oliver, jovem morto em um massacre escolar na Flórida em 2018, criado pelos pais a partir de fotografias e gerado pela inteligência artificial.
A crescente disseminação dessas tecnologias levanta questões éticas sobre seu impacto psicológico e social, especialmente no que se refere à saúde mental e aos processos emocionais envolvidos no enfrentamento da perda. Especialistas recomendam cautela e reflexão sobre o uso dessas ferramentas, considerando que elas podem interferir na autonomia emocional e nos mecanismos naturais de adaptação ao luto.
Em conclusão, o 2Wai e outras tecnologias similares demonstram como a inteligência artificial pode transformar a experiência das perdas familiares, oferecendo novas formas de contato com quem já se foi. Contudo, o debate sobre os efeitos dessas inovações no processo de luto permanece aberto, destacando a necessidade de avaliar com cuidado o papel da tecnologia nesse contexto delicado.
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Fonte: g1.globo.com
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Fonte: g1.globo.com

