Moradores de Villa Fiorito, bairro periférico de Buenos Aires, vendem roupas, perfumes e itens usados para enfrentar a crise econômica que se aprofunda na Argentina às vésperas das eleições legislativas neste domingo (26). A prática informal tem crescido diante da dificuldade de fechar o mês com a renda disponível e do desemprego crescente na região.
Na feira do bairro, que se estende por mais de 20 quarteirões, os chamados “manteros” expõem produtos sobre mantas no chão, incluindo objetos pessoais, mercadorias encontradas nas ruas e itens comprados com dinheiro emprestado. Gladys Gutiérrez, de 46 anos, conta que participa da venda nos fins de semana para complementar a renda familiar.
Gladys também vende artigos de limpeza durante a semana, mas, diante da baixa procura dos vizinhos, tomou empréstimos para incluir frios e bebidas na oferta. O marido dela, pedreiro, está desempregado há algum tempo. Ela comenta que a população local tem demonstrado cansaço e irritação diante das dificuldades econômicas.
O presidente argentino, Javier Milei, conseguiu reduzir a inflação em quase dois anos de governo, porém essa queda foi acompanhada pela suspensão de obras públicas e retração do comércio e da indústria, setores que concentram a maior oferta de empregos no país. A informalidade atinge cerca de 40% da população economicamente ativa.
Segundo a consultoria Aresco, 75% dos argentinos consideram mais difícil fechar as contas do que no ano anterior. O economista Guillermo Oliveto afirma que 70% da população — principalmente da classe média baixa e trabalhadora — esgota seu orçamento até a metade do mês. Para esses grupos, os pagamentos fixos e dívidas se sobrepõem à capacidade de consumo.
O cenário nas ruas de Villa Fiorito remete ao colapso econômico de 2001, segundo depoimentos de feirantes locais. A mistura de aromas de alimentos e lixo acumulado nas calçadas é um retrato da realidade enfrentada por muitos na região. Juana Sena, de 71 anos, lembra da situação daquela época ao observar os objetos e produtos expostos.
Apesar de o bairro ser historicamente alinhado ao peronismo, os resultados das eleições refletem mudanças. Milei obteve 27% dos votos no segundo turno presidencial de 2023, mas perdeu força nas eleições legislativas provinciais de setembro, alcançando menos de 16%.
O cientista político Matías Mora, residente em Fiorito, destaca que a venda informal e o pluriemprego são fenômenos anteriores ao governo atual, mas que a gestão de Milei tem agravado as condições de trabalho e renda, aprofundando a crise social.
O endividamento das famílias é elevado e crescente. Mora relata que muitos recorrem a empréstimos para alimentação ou para abrir pequenos negócios, apesar das taxas de juros altíssimas cobradas por agiotas informais, que variam entre 40% e 50% ao mês. Dados do centro de análise econômica IETSE mostram que 90% das famílias argentinas estão endividadas, com 88% dessas dívidas adquiridas entre 2024 e 2025. A maior parte do crédito com cartão foi usada para comprar alimentos.
No contexto atual, surgiu também o conceito de “manteros digitais”, termo criado por Mora para classificar vendedores que atuam pelas redes sociais e grupos de mensagens, expandindo a informalidade para além das feiras físicas. Esses comerciantes sobrevivem por meio da criatividade e adaptação ao mercado digital, porém enfrentam desgaste físico e mental causados pela instabilidade financeira.
Em resumo, a venda informal de bens pessoais e usados em Villa Fiorito expressa a dificuldade crescente dos argentinos em garantir renda e sustento. A crise econômica, com inflação, alto desemprego e endividamento, impulsiona a população a buscar formas alternativas de trabalho, que envolvem riscos e consequências para o bem-estar geral.
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Fonte: g1.globo.com
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Fonte: g1.globo.com

