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O Mosteiro de Santa Catarina, do século 6º, é o

O Mosteiro de Santa Catarina, do século 6º, é o
  • Publishedsetembro 8, 2025

O Mosteiro de Santa Catarina, do século 6º, é o mosteiro cristão em uso contínuo mais antigo do mundo

Universal Images Group/Getty Images via BBC

Por anos, visitantes subiam o Monte Sinai acompanhados por guias beduínos para assistir ao nascer do sol sobre a paisagem rochosa e intocada ou participar de outras trilhas conduzidas pelos beduínos.

Agora, um dos locais mais sagrados do Egito — venerado por judeus, cristãos e muçulmanos — está no centro de uma controvérsia acalorada devido a planos de transformá-lo em um megaprojeto turístico.

Conhecido localmente como Jabal Musa, o Monte Sinai é o lugar onde, segundo a tradição, Moisés recebeu os Dez Mandamentos. Muitos também acreditam que este é o local onde, de acordo com a Bíblia e o Alcorão, Deus falou com o profeta a partir da sarça ardente.

O Mosteiro de Santa Catarina, do século 6º, administrado pela Igreja Ortodoxa Grega, também está ali — e aparentemente seus monges permanecerão, depois que as autoridades egípcias, sob pressão da Grécia, negaram qualquer intenção de fechá-lo.

No entanto, ainda há grande preocupação sobre como a área isolada no deserto — um sítio do Patrimônio Mundial da Unesco que inclui o mosteiro, a cidade e a montanha — está sendo transformada. Hotéis de luxo, vilas e bazares comerciais estão em construção na região.

O local também abriga uma comunidade beduína tradicional, a tribo Jebeleya. A tribo, conhecida como Guardiões de Santa Catarina, já teve suas casas e acampamentos turísticos ecológicos demolidos, com pouca ou nenhuma compensação. Eles chegaram até a ser obrigados a remover corpos de seus túmulos no cemitério local para dar lugar a um novo estacionamento.

O projeto pode ter sido apresentado como um desenvolvimento sustentável urgentemente necessário, que aumentaria o turismo, mas também foi imposto aos beduínos contra a vontade deles, afirma Ben Hoffler, escritor de viagens britânico que trabalhou de perto com as tribos do Sinai.

“Isso não é desenvolvimento do jeito que os Jebeleya veem ou pediram, mas sim como fica quando é imposto de cima para baixo para servir aos interesses de forasteiros em vez da comunidade local”, disse ele à BBC.

“Um novo mundo urbano está sendo construído ao redor de uma tribo beduína de origem nômade”, acrescentou. “É um mundo do qual eles sempre escolheram permanecer afastados, cuja construção não consentiram e que mudará para sempre seu lugar em sua própria terra.”

Os moradores locais, que somam cerca de 4 mil pessoas, não estão dispostos a comentar diretamente sobre as mudanças.

Até o momento, a Grécia é a potência estrangeira que mais se manifestou sobre os planos egípcios, devido à sua ligação com o mosteiro.

As tensões entre Atenas e Cairo aumentaram depois que um tribunal egípcio decidiu, em maio, que Santa Catarina — o mosteiro cristão em uso contínuo mais antigo do mundo — está situado em terras do Estado.

Após uma disputa que durou décadas, os juízes afirmaram que o mosteiro tinha apenas o “direito de uso” da terra em que se encontra e dos sítios arqueológicos religiosos ao redor.

O arcebispo Jerônimo 2º, de Atenas, líder da Igreja da Grécia, denunciou rapidamente a decisão:

“As propriedades do mosteiro estão sendo tomadas e expropriadas. Este farol espiritual da Ortodoxia e do Helenismo enfrenta agora uma ameaça existencial”, afirmou em comunicado.

Em uma rara entrevista, o arcebispo Damianos, antigo responsável por Santa Catarina, disse a um jornal grego que a decisão representava “um golpe grave para nós… e uma vergonha”. Sua condução do caso provocou divisões amargas entre os monges e motivou sua recente decisão de renunciar.

O Patriarcado Ortodoxo Grego de Jerusalém ressaltou que o local sagrado — sobre o qual tem jurisdição eclesiástica — havia recebido uma carta de proteção do próprio profeta Maomé.

O patriarcado afirmou que o mosteiro bizantino — que, de forma incomum, também abriga uma pequena mesquita construída na era fatímida — é “um símbolo de paz entre cristãos e muçulmanos e um refúgio de esperança em um mundo mergulhado em conflitos”.

Embora a controversa decisão judicial ainda esteja em vigor, uma série de esforços diplomáticos culminou em uma declaração conjunta entre Grécia e Egito, garantindo a proteção da identidade grego-ortodoxa e do patrimônio cultural de Santa Catarina.

Monte Sinai, no Egito

Mohamad Sameh/Unsplash

‘Presente especial’ ou interferência insensível?

O governo promove o desenvolvimento como “o presente do Egito para o mundo inteiro e todas as religiões”.

“O projeto fornecerá todos os serviços turísticos e de lazer para os visitantes, promoverá o desenvolvimento da cidade [de Santa Catarina] e das áreas ao redor, preservando o caráter ambiental, visual e patrimonial da natureza intocada, e oferecerá acomodações para aqueles que trabalham nos projetos de Santa Catarina”, disse o ministro da Habitação, Sherif el-Sherbiny, no ano passado.

Embora o trabalho pareça ter sido interrompido — ao menos temporariamente — por questões de financiamento, a Planície de el-Raha, com vista para o Mosteiro de Santa Catarina, já foi transformada. A construção de novas estradas continua.

É nesse local que os seguidores de Moisés, os israelitas, teriam esperado por ele durante seu tempo no Monte Sinai. E críticos afirmam que as características naturais especiais da área estão sendo destruídas.

Destacando o valor universal excepcional do sítio, a Unesco observa como “a paisagem montanhosa e acidentada ao redor… forma um cenário perfeito para o Mosteiro”.

Ela acrescenta: “Sua localização demonstra uma tentativa deliberada de estabelecer um vínculo íntimo entre a beleza natural e o isolamento, por um lado, e o compromisso espiritual humano, por outro.”

Em 2023, a Unesco destacou suas preocupações e pediu ao Egito que interrompesse os empreendimentos, avaliasse seu impacto e elaborasse um plano de conservação.

Isso não aconteceu.

Em julho, a World Heritage Watch enviou uma carta aberta pedindo ao Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco que colocasse a área de Santa Catarina na Lista de Patrimônios Mundiais em Perigo.

Ativistas também procuraram o rei Charles 3º, como patrono da St Catherine Foundation, que arrecada fundos para conservar e estudar o patrimônio do mosteiro, incluindo sua coleção de valiosos manuscritos cristãos antigos. O rei descreveu o local como “um grande tesouro espiritual que deve ser preservado para as futuras gerações”.

O megaempreendimento não é o primeiro no Egito a receber críticas por falta de sensibilidade à história única do país.

Mas o governo vê sua série de projetos grandiosos como essencial para reativar a economia enfraquecida.

O setor turístico do Egito, que antes prosperava, começava a se recuperar dos efeitos da pandemia de Covid-19 quando foi atingido pela guerra brutal em Gaza e por uma nova onda de instabilidade regional. O governo estabeleceu como meta atingir 30 milhões de visitantes até 2028.

Sob sucessivos governos egípcios, o desenvolvimento comercial do Sinai tem sido realizado sem consultar as comunidades beduínas indígenas.

A península foi ocupada por Israel durante a Guerra do Oriente Médio em 1967 e só retornou ao Egito após os dois países assinarem um tratado de paz em 1979. Desde então, os beduínos reclamam de terem sido tratados como cidadãos de segunda classe.

A construção dos populares destinos do Mar Vermelho no Egito, incluindo Sharm el-Sheikh, começou no sul do Sinai na década de 1980. Muitos veem semelhanças com o que está acontecendo em Santa Catarina agora.

“Os beduínos eram o povo da região, eram os guias, os trabalhadores, as pessoas de quem se alugava”, diz o jornalista egípcio Mohannad Sabry.

“Então o turismo industrial chegou e eles foram afastados — não apenas do negócio, mas fisicamente empurrados do mar para o interior.”

Como aconteceu com os destinos do Mar Vermelho, espera-se que egípcios de outras partes do país sejam trazidos para trabalhar no novo complexo de Santa Catarina. No entanto, o governo afirma que também está “modernizando” as áreas residenciais dos beduínos.

O Mosteiro de Santa Catarina suportou muitas transformações ao longo do último milênio e meio, mas, quando os monges mais antigos do local se instalaram ali, ainda se tratava de um refúgio remoto.

Isso começou a mudar com a expansão dos resorts do Mar Vermelho, que trouxe milhares de peregrinos em visitas de um dia nos períodos de maior movimento.

Nos últimos anos, grandes multidões eram frequentemente vistas passando pelos supostos restos da sarça ardente ou visitando um museu que exibe páginas do Códice Sinaítico – a cópia manuscrita quase completa mais antiga do Novo Testamento que sobreviveu até hoje.

Agora, embora o mosteiro e a profunda importância religiosa do local permaneçam, seus arredores e modos de vida seculares parecem prestes a serem transformados de maneira irreversível.

Fonte: g1.globo.com

Imagem: s2-g1.glbimg.com


Fonte: g1.globo.com

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