Psicólogos analisam método de desgaste físico e emocional

Psicólogos analisam método de desgaste físico e emocional adotado nos retiros do movimento de homens cristãos Legendários, que têm atraído milhares de participantes em busca de transformação pessoal. A avaliação foi realizada após a série de reportagens “Diário de um legendário”, que detalhou as etapas desse processo em ambientes naturais como montanhas.

Três psicanalistas foram entrevistados pelo g1 para explicar os efeitos e as motivações por trás das práticas adotadas nesses retiros. Christian Dunker, professor da USP, Maria Homem, pesquisadora da USP e professora da FAAP, e Pedro Onari, fundador do Instituto Onari e especialista em psicanálise cristã, contribuíram com suas análises.

Maria Homem destaca que o método recupera valores ligados a uma estrutura patriarcal tradicional, já em crise na sociedade atual. Ela vê nos símbolos usados, como figuras paternas e militares, uma referência a sistemas antigos baseados em hierarquia e autoridade do “pai forte”. Segundo ela, esse retorno ocorre em um contexto histórico de vulnerabilidade e busca por referenciais familiares.

Pedro Onari reforça a ideia de reconstrução simbólica da paternidade. Ele relaciona o Método Legendários à tentativa de suprir ausências familiares causadas por desestruturação dos lares. O objetivo, segundo Onari, seria oferecer aos homens um modelo de pai e líder que muitos não tiveram em suas casas.

Christian Dunker associa a experiência da subida à montanha com narrativas religiosas do protestantismo brasileiro, especialmente mitologias judaicas do Antigo Testamento. Ele lembra que práticas semelhantes são usadas em rituais neopentecostais há décadas e ressalta o uso simbólico da montanha como espaço de proximidade com Deus.

Pedro Onari observa o emprego de técnicas que alteram o estado de consciência, comparáveis a hipnose e regressão emocional. O desgaste físico, a privação de sono e a repetição de comandos, afirma, geram um estado mental suscetível a sugestões, que podem acessar memórias profundas ligadas à infância e à figura paterna.

Christian Dunker relaciona a dinâmica do retiro ao Experimento de Milgram, estudo de psicologia que avaliou a obediência a ordens mesmo quando nocivas. Ele aponta que a progressão gradual das tarefas e a pressão do grupo fazem os participantes aceitarem exigências além do esperado, até perderem a capacidade de resistência.

No entanto, Dunker ressalta que uma das dinâmicas finais quebra essa obediência cega ao mostrar que a luta no retiro não era contra quem eles imaginavam. Para ele, essa abordagem funciona como um “truque pedagógico” que incentiva uma mensagem em favor da emancipação, embora de forma bruta.

Maria Homem rejeita a ideia de retomar modelos patriarcais tradicionais como solução. Ela enfatiza que o futuro deve ser orientado pelo convívio sustentável e pelo respeito às diferenças, questionando a idealização do macho dominante e a submissão das mulheres. Para ela, o movimento Legendários representa um modelo ultrapassado que não corresponde aos desafios atuais.

Pedro Onari alerta que os retiros podem abrir feridas emocionais profundas sem oferecer suporte adequado para seu fechamento. Ele relata casos de participantes que, mesmo em crises conjugais, não encontraram no retiro a solução esperada. Ele destaca a necessidade de tratamento individualizado para que traumas possam ser trabalhados efetivamente.

Em síntese, a análise dos psicanalistas aponta que os retiros dos Legendários aplicam métodos que envolvem desgaste físico e emocional, técnicas de sugestão e reforço de modelos patriarcais. Embora busquem reconstruir masculinidades e papéis familiares, esses métodos geram debates sobre seus efeitos psicológicos e sua adequação diante das transformações sociais atuais.

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Fonte: g1.globo.com